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RIO - “Baleia Azul”, “13 reasons why” e “bullying” são expressões que, em poucos minutos, são ditas por sete pré-adolescentes cariocas com idades entre 10 e 12 anos. Falando em velocidade acelerada, os alunos do Liceu Franco-Brasileiro debateram esses temas em uma sessão de grupo do colégio, atividade que realizam semanalmente. Logo veio a ideia de criar uma espécie de “contra-jogo” chamado Galo Branco — o animal símbolo da escola, da cor que representa a paz.

— Nosso objetivo é que ele tenha desafios que não levem as pessoas a fazerem algo contra a própria vida, mas sim para fazerem o bem e se abrirem — explica Carolina Campos, de 12 anos.

Para essa faixa etária, a discussão nunca esteve tão presente. Além do “jogo da Baleia Azul” — um conjunto de 50 desafios que seriam feitos a adolescentes, incluindo automutilação e suicídio, e que funcionaria em aplicativos de bate-papo — estreou há poucas semanas na Netflix a série “13 reasons why” (“13 razões pelas quais", em tradução livre), que trata de uma garota que se suicida após ser alvo de bullying e atos criminosos de colegas de escola. O sucesso da série no Brasil tem um contexto: dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), divulgados semana passada, mostram que 17,5% dos alunos brasileiros com 15 anos sofrem bullying e 11,8% relataram insatisfação com a própria vida.

LIMITES, SEM REPRESSÃO

Parte da urgência em se tratar de temas como depressão e suicídio entre crianças e adolescentes está na facilidade de acesso que esse público tem à internet, ambiente que os expõe a mais riscos. Segundo a pesquisa TIC Kids, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil e divulgada em outubro passado, 80% da população brasileira entre 9 e 17 anos navega pela rede. Desses, 31% acessam a internet somente pelo celular. Nos últimos anos, entre as práticas perigosas que viralizaram na rede, além da “Baleia Azul”, estão o “jogo da fada”, que induz crianças a ligarem o gás de cozinha de madrugada, e o “jogo da asfixia”, no qual adolescentes eram desafiados a se sufocar até desmaiar. Este último chegou a causar mortes em alguns países, incluindo o Brasil.

A saída seria, então, coibir o uso de aparelhos com conexão à internet? Para Juliana Cunha, coordenadora do canal de ajuda da Safernet Brasil, ONG especializada em segurança na internet, a resposta é não. Ela enfatiza que medidas como proibir o acesso à rede pelos filhos, confiscar o celular e monitorar o uso de aplicativos usando programas “espiões” são fadadas ao fracasso. Elas não previnem os riscos e comprometem o vínculo de confiança entre pais e filhos.

— Os pais devem estabelecer acordos. Sem imposição, mas acordos negociados, como a definição dos horários adequados para usar o celular, por exemplo. Ou compartilhar a senha das redes sociais do filho. O que não pode é ver escondido o que o adolescente faz na internet — sublinha ela.

Para entender o poder da rede, basta saber que o “jogo da Baleia Azul” tem origem, na verdade, em uma reportagem falsa publicada na Rússia em março de 2016, como apontou a Safernet da Bulgária. A matéria mentirosa afirmava que 130 adolescentes russos haviam se matado depois de participar do “jogo”. Quando o assunto chegou ao Brasil, as buscas no Google por “Baleia Azul” aumentaram em mais de 1.000%. Ao lidar com o tema, um erro comum aos pais é minimizar a dor que crianças e adolescentes sentem.

— É importante não subestimar quando o adolescente fala sobre tristeza ou vontade de morrer. É preciso dar espaço, na escola e em casa, para que o assunto venha à tona, usando o vocabulário deles — diz Juliana.

Desde que a série “13 reasons why" estreou no Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) — que reúne mais de dois mil voluntários para atender pessoas que pensam em suicídio — registrou um aumento de 445% no número de e-mails recebidos. Com a disseminação do “Baleia Azul”, delegacias de várias partes do país abriram investigações para rastrear as mensagens em aplicativos e estabelecer relações entre mortes e mutilações e o jogo. A repercussão fez com que suicídio passasse a ser discutido, pela primeira vez, entre muitos pais e filhos.

— Foi minha mãe quem veio me falar sobre o “Baleia Azul” e me lembrar que eu posso conversar com ela sobre tudo — comenta Izadora Coimbra, de 11 anos, também aluna do Franco-Brasileiro. — O mais importante, para mim, é ter alguém com quem conversar sobre as coisas que eu penso ou sinto. Muitos colegas não têm.

ENTENDENDO OS SINAIS

Alguns sinais costumam se manifestar quando os jovens se sentem insatisfeitos. De acordo com a psicanalista Ana Sabrosa, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise no Rio de Janeiro, eles podem não sair mais com amigos, ter algum distúrbio alimentar ou ter como passatempo apenas uma atividade. Ela destaca que, além de saber identificar esses aspectos, é preciso que as famílias se esforcem para criar laços com o jovem:

— A família tem que criar uma nova possibilidade de intimidade, porque aquela que os filhos têm com os pais desde a infância não preenche mais. Cada família vai descobrir a solução de uma forma. Pode ser no esporte, cozinhando juntos, jogando videogame.

Segundo ela, nessa fase de transição os jovens querem ser reconhecidos pelo grupo e muitas vezes experimentam a solidão e a sensação de vazio. Tudo o que o ambiente oferece para mitigar essa dor poderá ser considerado uma alternativa, como o “Baleia Azul”.

— O adolescente tem tendência a idealizar coisas. Se ele idealiza que uma pessoa que entrou no jogo e se automutilou resolveu seu problema, pode achar que isso funcionará para si — alerta a psicanalista.

Mas não se pode, por causa disso, silenciar sobre o assunto. Muitos temem falar sobre suicídio por conta do que ficou conhecido como “efeito Werther” — personagem do livro “Os sofrimentos do jovem Werther”, escrito em 1774 pelo filósofo alemão Goethe e que teria gerado uma onda de suicídios, pois o próprio protagonista tira sua vida.

— Discutir o que leva ao suicídio e dar informações sérias sobre o tema, sem idealizações, é importante e pode até frear esse efeito — afirma Ana.

Segundo a fundadora da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (Asec), Tania Paris, essa conversa deve acontecer inclusive com crianças pequenas. A entidade é responsável por levar a escolas do país um programa de prevenção ao bullying desenvolvido na Inglaterra, voltado para crianças de 6 e 7 anos. O “Amigos do Zippy” desenvolve empatia, autoestima e habilidades de comunicação.

— Uma criança que tem baixa autoestima fica refém do bullying, seja ela o praticante ou o alvo, e passa a responder de forma negativa a determinados problemas do cotidiano. Já outra que tenha habilidades emocionais saberá procurar ajuda — analisa Tania.

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