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O papel dos governos na implantação do IPv6
Em primeiro lugar, vamos procurar entender porque os governos devem preocupar-se, e preocupam-se de fato, com a questão do IPv6. De forma geral, o poder público compreende a importância da Internet para a sociedade e têm buscado universalizar o acesso à rede, com diversas ações. No Brasil, por exemplo, pode-se destacar o PNBL e o projeto Cidades Digitais. Há também incentivos para a expansão das redes de telecomunicações e atualizações tecnológicas, como a implantação do 4G. Tudo isso demanda endereços IP. A estimativa atual do LACNIC (este artigo foi publicado no final de agosto de 2013) é de que os IPs se esgotem em 274 dias, ou seja, entre maio e junho de 2014. O fim dos endereços IPv4 pode causar um sério impacto e atrasar o desenvolvimento e a expansão da Internet, ou ainda resultar em serviços de baixa qualidade e sérios problemas de segurança, caso se necessite compartilhar endereços IPv4 entre usuários. A adoção do IPv6 resolve o problema da escassez de endereços e permite a livre expansão da Internet. O IPv6 permite que se busque a universalização do acesso à rede. Permite a expansão das redes móveis. Permite o surgimento de uma Internet das Coisas e de outras tecnologias. Ao atuar em prol da implantação do IPv6, então, o poder público zela pela estabilidade da rede, por sua continuidade, e dos benefícios que traz aos cidadãos. Além disso, o poder público também é usuário da Internet, e a utiliza como uma forma importante de comunicação com os cidadãos. Deve-se notar que os principais provedores de conteúdo, entre eles, Google, Youtube, Facebook, Netflix, UOL, Terra, etc, já implantaram IPv6 a fim de garantir que seu conteúdo seja visível a todos os usuários, independentemente da versão do protocolo IP. Eles procuram evitar o risco de prestarem um serviço de baixa qualidade, ou mesmo de ficarem inacessíveis para os novos usuários Internet IPv6, que certamente surgirão nos próximos meses. Caso não se atualize, o poder público corre o risco de que parte dos cidadãos não consiga acessar seus sites e outros serviços disponíveis na Internet, ou ainda de que acessem com qualidade abaixo da ideal. É necessário que o poder público siga o exemplo dos grandes provedores de conteúdo e que disponibilize seus sites e demais serviços em IPv6 com a maior brevidade possível, a fim de garantir o acesso dos cidadãos a seus próprios serviços. Mas que ações os diversos governos têm tomado, no mundo, para apoiar a implantação do IPv6? Vejamos alguns exemplos (uma lista não extensiva):
Nota: co-autoria de Edwin Cordeiro, da equipe do IPv6.br.
- Estados Unidos da América: Em setembro de 2010 o chefe do gabinete de tecnologia da informação emitiu memorando recomendando que os órgãos governamentais implementassem o IPv6 até setembro de 2014. A partir deste memorando foi gerado um plano para adoção de IPv6: (https://cio.gov/wp-content/uploads/downloads/2012/09/2012_IPv6_Roadmap_FINAL_20120712.pdf), que inclui metas, diretrizes e recomendações. Foi criado também um sistema para monitorar a evolução desta implementação. Dentro deste programa, os sites governamentais tiveram até setembro de 2012 para implantar o IPv6, já realizando para esta etapa a troca de equipamentos na borda da rede que não tivessem suporte IPv6. A meta para que todos os equipamentos governamentais de rede (roteadores, switchs etc), equipamentos de usuários (computadores, smartfones, telefones IP etc) e serviços internos e externos (e-mail, FTP, SSH, VPN etc) é dezembro de 2014.
- Índia: Foi desenvolvido um planejamento nacional de implantação do IPv6 (https://www.dot.gov.in/sites/default/files/Roadmap%20Version-II%20English%20_1.pdf) contendo metas e recomendações para o governo indiano, mas também para os responsáveis pela infraestrutura da Internet, como provedores de acesso, provedores de conteúdo, data centers, fabricantes de equipamentos, etc. O objetivo do documento é que o IPv6 seja mais utilizado que o IPv4 a partir de 2017. Dentro deste cronograma destacam-se que todos os novos serviços contratados devem suportar IPv6 e que todas as interfaces entre o governo e a população (pagínas web e serviços on line) devem suportar IPv6 até Janeiro de 2015.
- Japão: Criou o IPv6 Promotion Council (https://www.v6pc.jp/en/council/index.phtml) com o objetivo de promover o IPv6 e auxiliar o governo, industria e academia na adoção do protocolo. O plano foi bem sucedido e hoje o Japão é capaz de entregar IPv6 ao usuário final e observa uma crescente utilização do protocolo. De acordo com estatísticas da Cisco (https://6lab.cisco.com/stats/) o Japão está com 26,55% da implantação realizada, com 3,09% dos usuários possuindo acesso via IPv6.
- China: Em 2006 criou o projeto CNGI (China Next Generation Internet) com o objetivo de incentivar a adoção do IPv6 no país em um período de 5 anos. O primeiro passo do projeto foi a utilização de IPv6 pelo sistema de segurança dos jogos olímpicos realizados no país em 2008. Também fez parte do projeto a criação da rede CERNET II, a segunda versão da rede acadêmica chinesa. A CERNET II é uma rede exclusivamente IPv6, construída com equipamentos chineses, e cujos custos operacionais são pagos diretamente pelo governo, e não pelas universidades usuárias, como na CERNET original. A CERNET II atualmente possui mais tráfego que a primeira CERTNET, que atende as universidades apenas com IPv4.
- Equador: No Equador, o Ministério das Telecomunicações (MINTEL) recentemente criou acordos ministeriais para incentivar a adoção de IPv6 nos provedores do país (https://ipv6tf.ec/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=1:acuerdo-ministerial-mintel-007-2012&id=4:mintel&Itemid=88) e para a utilização nos portais do setor público (https://ipv6tf.ec/index.php?option=com_phocadownload&view=category&download=5:acuerdo-ministerial-mintel-039-2012&id=4:mintel&Itemid=88), estes documentos foram elaborados de acordo com as metas estabelecidas no eLAC2015, assim sendo o Equador definiu como prazo 2015 para a implantação de IPv6 no país.
- Costa Rica: a presidência e o ministro de Ciência, Tecnología e Telecomunicaciones definiram recentemente um plano de adoção de IPv6 no país e determinaram a data de 30 de junho de 2015 como limite para implantação do IPv6 nos órgãos públicos (https://www.gaceta.go.cr/pub/2013/05/23/COMP_23_05_2013.html#_Toc356912913).
- União Européia: Desde 2005 foram promovidos os projetos 6Net, 6Diss e 6Deploy, que criaram materiais didáticos, promoveram treinamentos, e fomentaram projetos de pesquisa e implementação do IPv6. A iniciativa i2010 (um plano de ação para maximizar o potencial das TICs) fomentou os governos europeus a buscar a implantação do IPv6, por exemplo, a Espanha aprovou um plano nacional de transição do IPv4 para o IPv6 (https://www.lamoncloa.gob.es/ConsejodeMinistros/Referencias/_2011/refc20110429.htm#Internet e https://www.ipv6observatory.eu/wp-content/uploads/2012/11/02-03-Jordi-Palet-2-21.pdf), colocando como meta de implantação o ano de 2015. Já Alemanha criou um plano para implantar IPv6 na administração pública (https://www.ipv6observatory.eu/wp-content/uploads/2012/11/02-05-Constanza-B%C3%BCrger1.pdf). Por meio desse plano, eles começaram a implantar IPv6 nos órgãos públicos em 2011.
- Ações de conscientização e coordenação: parte das ações da União Européia e do Japão podem ser enquadradas nesse grupo. No Brasil, o Comitê Gestor da Internet (mesmo não sendo parte do Governo), por meio do Núcleo de Informação e coordenação do ponto BR (NIC.br) já tem atuado fortemente nesse sentido, promovendo, entre outras ações, treinamentos para a capacitação de profissionais, e reuniões de coordenação entre representantes dos diversos setores envolvidos. Essas ações têm resultados positivos, mas talvez ainda insuficientes, no contexto nacional.
- Ações de regulamentação externa: os governos da Índia e do Ecuador, por exemplo, estabeleceram metas envolvendo, além das próprias entidades do governo, também provedores Internet e operadoras de Telecomunicações.
- Ações de regulamentação interna: o governo estadunidense, em particular, e diversos outros, inclusive latino-americanos, mais recentemente, estabeleceram normas internas, que se aplicam aos próprios órgãos governamentais, para a implantação do IPv6. Essas normas envolvem cronogramas bem definidos, com metas claras, e tem apresentado resultados bastante positivos. O estabelecimento de uma norma interna tem vantagens em relação à regulamentação do mercado, pois:
- é eficaz em preparar o governo para que não sofra, como usuário Internet e fornecedor de serviços aos cidadãos, os efeitos negativos da não implantação do IPv6,
- é eficaz, pelo uso indireto do poder de compra do governo, em motivar as entidades no mercado, como fornecedores de equipamentos e serviços, a implantarem o IPv6, a fim de atender às necessidades do governo.
- O Comitê Gestor da Internet no Brasil aprovou e publicou em 18 de maio de 2012 a resolução 07/2012 com recomendações sobre a implantação do IPv6 nas redes, com um calendário sugerido para implantação do protocolo no país. O documento está disponível em: https://www.cgi.br/regulamentacao/pdf/resolucao-2012-007.pdf e recomenda: “que o governo, considerando‐os aqui os três poderes e em suas diversas instâncias, estabeleça normas internas com cronograma conforme as datas aqui previstas e com metas claras para a implantação do IPv6, em especial nos serviços oferecidos aos cidadãos através da Internet”.
- O eLAC (2010) é um plano de ação para a América Latina e Caribe, de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), com um longo prazo, 2015, propõe que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) sejam ferramentas para o desenvolvimento econômico e a inclusão social. O eLAC faz parte da CEPAL que é uma comissão das Nações Unidas e o Brasil é um dos signatários do eLAC2015. A meta 4 do eLAC2015 é a implantação do IPv6 (https://www.eclac.cl/socinfo/noticias/documentosdetrabajo/0/41770/2010-819-eLAC-Plan_de_Accion.pdf) pelos signatários até 2015.
- O e-PING, na versão de 2013 (https://eping.governoeletronico.gov.br/) pontua que novas contratações de interconexão e compra de equipamentos devem considerar que as redes devem ser implementadas em pilha dupla, com IPv4 e IPv6 simultaneamente.
Nota: co-autoria de Edwin Cordeiro, da equipe do IPv6.br.